#40 | Cancelamento do ano letivo na escola privada
- André Lobato
- 20 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 23 de set. de 2020
Devido a pandemia de Covid-19, se tornou uma prática cada vez mais comum entre os pais o cancelamento da matrícula dos filhos que estudam em escolas particulares. Em razão disso, as instituições de ensino começaram a cobrar um valor para esse cancelamento, em alguns casos cobrando uma taxa equivalente a 10% do valor da mensalidade que ainda irão vencer. Dado todo esse contexto, a pergunta que me fizeram foi: “Isso é legal?”
Para responder a essa pergunta temos que saber, primeiramente, que o Código da Conduta do Consumidor (CDC) se aplica a relação entre o aluno, os pais e a instituição. E que o contrato deve atender os princípios e regras contidos nesse CDC, para que assim exista uma expectativa gerada pelos contratos de consumo com as instituições de ensino. Além disso, ao mesmo tempo que os consumidores querem usufruir dos serviços das empresas, essas empresas fornecedoras de serviço querem prestá-lo da forma mais eficiente.
Porém, com esse cenário de pandemia, todos foram pegos de surpresa, ocasionando em uma suspensão nas atividades presenciais na escola. Isso fez com que os pais e alunos, que são os consumidores, se sentissem prejudicados na prestação desses serviços, que não estavam sendo cumpridos da forma contratada. E como consequência, alguns estabelecimentos estão entrando em acordo com os consumidores para atribuir descontos proporcionais a prestação de serviços.
Sempre terá esse desconto proporcional a suspensão de contrato? Nem sempre, há exceções. Por exemplo, nas antecipações de férias escolares, em uma falta de prestação de serviços ou na antecipação só de um período, sim. Até mesmo nos contratos em cursos com pós-graduação stricto sensu e lato sensu. Afinal, se esses contratos foram firmados referente a um curso específico, é plausível que esse aluno possa realizar as suas aulas e concluir o seu curso quando tudo for normalizado, preservando os valores pactuados. No entanto, caso ele opte por cursar a matéria de forma virtual, entende-se possível e aplicável uma repactuação desse contrato para diminuir despesas.
Por sua vez, as instituições de ensino justificam a manutenção desses valores da suspensão argumentando que estão sendo realizados investimentos de tecnologia digitais nas escolas e nos cursos. E que, nos cursos de infraestrutura, são fixos por parte da instituição de ensino e não há redução, em alguns casos, da equipe pedagógica e nem redução das horas dedicadas às suas atividades.
Mesmo que não haja redução na equipe pedagógica ou da carga horária dos profissionais dedicados àquelas atividades, os custos de um curso ofertado à distância, naturalmente, são menores que os custos das aulas ofertadas presencialmente. É inequívoco, então, que essa redução de despesas por parte da instituição exista. Por exemplo, com a manutenção predial, limpeza, energia, água, e ainda com vários funcionários que podem ter seu contrato de trabalho suspenso, como porteiros, faxineiros e etc.
Além disso, visto que os pais dos alunos também precisam fazer investimentos, a desculpa não se aplica. Eles também precisam fazer investimentos em tecnologia digital, adquirindo computadores e equipamentos para suportar as aulas on-line, além de aumentar o pacote de internet e outras coisas. Uma contrapartida dos pais que pode, talvez, ser a mais cara, é a necessidade de acompanhamento às aulas ministradas remotamente aos seus filhos. Serviço que antes era prestado exclusivamente pela escola, sem entrar no mérito do conteúdo pedagógico.
Desta forma, precisa-se analisar se o serviço ofertado ao consumidor foi diminuído. Afinal, a quantidade de aulas onlines ofertadas é a mesma quantidade de aulas que seriam oferecidas presencialmente? Notem que as tarefas atribuídas aos alunos não é uma contraprestação do serviço fornecido.
Visto tudo isso, parece inevitável uma revisão contratual durante esse período de pandemia. Não estamos tratando aqui de uma moratória, ou seja, parar de pagar, mas sim uma revisão para adequar os serviços prestados proporcionalmente. Igual o Art. 6º do nosso CDC, que diz os direitos básicos do consumidor, em seu inciso 5º, expõe que a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam as prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fato superveniente que a tornem excessivamente onerosa. Que é o caso dessa nossa pandemia.
E sobre a cobrança de taxas de cancelamento de matrícula. É legal?
Bom, nesse caso específico, se o pedido for a rescisão contratual em virtude da impossibilidade de fornecimento de aula, por conta da pandemia, não pode acarretar essas tradicionais multas contratuais. Uma vez que não foi o consumidor que deu causa a essa impossibilidade de prestação de serviços.
Isso foi posto também no nosso código civil, no artigo 248 que diz “Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos”. Então, em situações como o caso de condição infantil ou quando a instituição não tem implementado as vídeos aulas, ou ainda quando não é possível prestar o serviço de forma não-presencial, é claro que deve o fornecedor, para evitar uma cabível rescisão contratual sem multa e como forma de preservar o recebimento dos contratos, ofertar a reposição integral posteriormente das aulas presenciais. Estabelecendo o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.
Porém, se o consumidor não aceitar que haja essa reposição posterior com aulas presenciais, a proposta de revisão contratual e escolher por si rescindir o contrato, transferindo-se para outra instituição de ensino. Essa opção não pode ser considerada como inadimplemento contratual e muito menos aplicação de multa.
Recomendações
Por fim, recomendo que o consumidor questione a escola. Solicitando a adequação dos valores e, em alguns casos, suspender ou rescindir esse contrato sem nenhum custo extra.
Porém se não obtiver sucesso junto a escola, o consumidor pode se dirigir ao PROCON da sua respectiva cidade, que registrará a reclamação e tomará as medidas cabíveis dentro de suas atribuições. E, caso o problema não seja resolvido pelo PROCON, será designado uma audiência de conciliação para a tentativa de acordo, que poderá gerar a instauração de um procedimento administrativo com cobrança de multa, que se reverte em favor do próprio PROCON.
A última opção para o consumidor que continuar se sentindo lesado é a via judicial, que pode ser o juizado especial cível ou os juizado do consumidor.
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